quarta-feira, 25 de maio de 2011

Identidade


Era uma Segunda Feira daquelas. Estávamos no último horário, aula de Matemática com a Srª Dorothy. Toda a turma estava animada com a excursão para Minas no dia seguinte. Era difícil manter a concentração. Não pela ansiedade, mas pelas conversas atrás de mim. As meninas estavam preocupadas com os garotos que iriam viajar conosco e com a roupa que usariam para impressionar Ruan, o melhor jogador do time de basquete do colégio. Os garotos, é claro, queriam saber com quem Agatha, a menina mais popular do terceiro ano faria dupla. Eu só conseguia pensar porque sou tão diferente das meninas que estavam perto de mim. Daí percebi que não sou diferente delas, sou diferente de todo mundo. Não gosto de ocupar meu tempo com festas, com meninos, com roupas novas ou com a cor das minhas unhas, e não consigo entender a importância que existe no que os outros irão pensar de mim.
Não entendo porque as pessoas dão tanta atenção a coisas fúteis, porque se preocupam com os problemas ao invés de dar valor ao que tem... Será que elas se esqueceram o que é viver? Nós temos tão pouco tempo e... Ah, meu nome é Sophia. Sophia Stephany Maciel. Nunca consegui entender porque me deram esse sobrenome. Nunca me senti parte dessa família. Todos são tão certos e comportados, e eu... Eu queria mesmo era sair por aí, sem rumo, ir para onde o vento quisesse me levar. Gosto mesmo é de fazer as coisas que a maioria das pessoas não faz, de sair com meus amigos, de curtir a vida. Às vezes penso que me trocaram quando eu era pequena, e minha verdadeira família deve estar se aventurando por aí, sorrindo, pulando de pára-quedas e fazendo tudo o que eu queria estar fazendo agora... 

- Sophia, Sophia?

- Hã? É... Dois mil quinhentos e setenta Srª Dorothy.

- Eu te perguntei o valor de π Sophia, e não a soma do primeiro exercício, já que estamos terminando a aula.

- É... Desculpe-me Srª Dorothy. O valor de π é 3,14...
- Muito bem, Sophia. 

Triim! Triiiiiiiiiim!

- Muito bem classe, não se atrasem amanhã. O ônibus sairá às sete horas, a listagem das duplas está no mural. 

Nem acreditava que a aula já havia terminado, acho que não estava muito atenta... A excursão já era no dia seguinte e nem havia arrumado minhas coisas, precisava procurar materiais de pesquisa; roupas adequadas ao clima; lanterna; barraca... Eram tantas coisas que nem sabia por onde começar. Precisava procurar minha dupla para o trabalho. Yara e Isabela, Anderson e Jackeline, Sophia e Yohan... 

- Yo... Ya... Yohan?

- Olá Sophia, posso ajudar?

- Srª Dorothy, quem é Yohan?

- Ele é do terceiro A, tenho certeza de que você aprenderá muito com ele.

- Tudo bem professora, muito obrigada. Tenho que ir, meu pai deve estar esperando. 

        - Mas... Espera aí Sophia, quem é seu pai? Eu nunca o vi. Você sempre vai sozinha!

     - Ha... Ele é lindo Srª Dorothy!

Em um só segundo, ouvi perfeitamente a busina do carro preto de meu pai. Saí correndo para que ele não pensasse que eu já havia ido embora. Despedi-me da Srº Dorothy, e de longe ouvi sua suave voz:

 -Tchau Sofia! Até amanhã!

          Fui para o carro imaginando como iria me organizar para o dia seguinte, e um pouco curiosa por não saber como era meu parceiro. Fiquei pensando se ele era um menino divertido e se gostava de aventuras. Não queria fazer o trabalho com um garoto chato, porque além de meu parceiro de trabalho, poderíamos ser companheiros das aventuras que nos aguardavam.


- Oi Pai!

- Olá, minha pequena Sophia!

- Pequena... Pai, não sou mais um bebezinho. Dizia eu, enquanto ele apertava minhas bochechas. 

- Você sempre será a minha menininha. E a aula, como foi?

- Normal, todos estão comentando sobre a excursão de amanhã.

- E o namorado, está bem?

- Pai, não tem namorado!

     -Sei...Não minta pra mim menina. Dizia ele, esperando atentamente o sinal abrir.

-Há, assim você me deixa sem graça. 

               Ele me respondia apenas com seu encantador sorriso de pai. Por um momento, houve um silencio, meu pai continuava atento na estrada, e eu observava o céu azul com o sol se escondendo atrás das nuvens, percebi que a tarde estava indo embora. Não pude deixar de pensar no dia de amanhã, com esse mesmo céu. Quando percebi, já estávamos em casa. Reconheci a voz de minha mãe, brigando com os meus dois irmãos mais novos, que corriam de um lado para o outro. Sorri ao vê-la brigando com as duas pestinhas. Assim que meu pai saiu do carro, deu um beijo em cada um dos bagunceirinhos, e outro em minha mãe e, como por milagre, ela se acalmou. Enquanto discutiam a rotina de cada um, fiquei em frente à casa observando as lindas flores que alegravam o quintal . Era o que me acalmava, o que me fazia bem entre tantos problemas. Sabia que precisava entrar e me preparar para o dia seguinte, mas era tentadora a idéia de ficar ali o tempo que me fosse possível. Levantei-me sentindo o doce cheiro das tantas flores e fui para o meu quarto. Suas paredes e detalhes em tons violetas me davam quase tanta paz quanto as flores.  Fui logo arrumando minhas malas para o dia seguinte. Era tanta coisa, que não sabia por onde começar. Terminei bem tarde. Tomei um banho quente, e já exausta, fui dormir.


  Acabei sonhando. Havia uma guerra, bombas, pessoas correndo desesperadas, crianças e mães sem saber o que fazer. Uma criança assustada, corria de algumas pessoas, pois estavam capturando crianças, De repente, ela olhou para traz, e viu sua mãe sendo pega, quando ela ouve um tiro, e grita desesperadamente.
Acordei assustada com o grito dessa pequena criança. Por um momento fiquei paralisada, a mansidão de minha casa, me hipnotizava ainda mais lembrando daquele horrível sonho. Logo ouvi os pássaros cantando, e despertei ao lembrar do contato que faria com a natureza neste indispensável dia, fui até a janela de meu quarto, e abri a fina cortina branca, e logo a luz do sol se refletiu em meu rosto. Olhei no relógio, e já eram seis horas da manhã. Eu estava atrasada. Fui correndo para o chuveiro e tomei um banho frio para que assim, eu pudesse me libertar do sono que ainda me penetrava. Não pude demorar no banho.
Vesti-me colocando a roupa mais confortável. Coloquei uma blusa branca cobrindo meus ombros e minha barriga com uma estampa de um leão preto, com uma calça jeans simples, e meu adorável all star preto. Prendi meus cabelos castanhos, deixando apenas minha franja a frente de meu rosto. Assim que terminei de me vestir, coloquei minha mochila e peguei minha mala correndo pelas escadas. Dei um beijo em minha mãe e em meus irmãos, procurei meu pai, e não o encontrei, quando por um segundo ouvi:

-Sofia... Venha logo, estou no carro a 20 minutos te esperando!

Entrei no carro, olhei pro meu pai, e logo percebi aquele olhar que dizia: 

- Menina enrolada!

Ele me deu um beijo de bom dia.
 
        -Dormiu bem querida?
      
Ainda meio sonolenta, respondi:
    
    -Tive um sonho meio estranho...

   -Sonhou comigo foi? Respondeu meu pai com seu tom irônico de sempre. O olhei com um pequeno sorriso, ele fez o mesmo.

O caminho para a escola foi silencioso, ainda estava atordoada com o sonho. Enquanto meu pai dirigia, eu observava pessoas saindo de casa para ir trabalhar, pássaros cruzando o céu azul, ônibus em movimento pelas ruas...
Por um momento percebi o quanto fazia frio, meus poros gritavam por um agasalho.
Em meio ao silencio que parecia infinito, um barulho surgiu. Olhamos um para o outro e rapidamente meu pai foi verificar o que tinha acontecido. Como havia imaginado, o pneu estava furado.
  
           - Pai e agora? Como vamos chegar na excursão? Não posso me atrasar! Tem um posto aqui perto? Vai demorar pra arrumar? E se conseguíssemos ir com o pneu assim...
          -Calma Sofia! Deixe-me pensar, senão... Não vou conseguir fazer nada com você me enchendo de perguntas! Não há nenhum posto por aqui, vou chamar um guincho pra vir pegar o carro. Falou meu pai com toda a paciência verificando o pneu furado. Retirou o celular da jaqueta e discou alguns números.

- Bom dia. Aqui é Marcos Alcântara Maciel. O pneu do meu carro furou aqui na “BR” e necessito rapidamente de um guincho [...] Chega por volta de quanto tempo?[...] Não tem como vir mais rápido?[...] Ok então... 

Meu pai desligou o telefone, e com a expressão preocupada disse: 

- O guincho demorará por volta de uma hora, terei que ficar aqui esperando. Vamos chamar um taxi para te levar até a escola.